Os dados coletados até dezembro de 2021 indicam que 1.531 programas de pós-graduação acadêmicos adotam algum tipo de ação afirmativa em seus processos de admissão de estudantes de mestrado e doutorado o que representa 54,3% de todos os programas da amostra. É a primeira vez que o percentual de programas com ação afirmativa ultrapassa os 50% e os dados indicam que 794 programas aderiram a esse tipo de política em um período de quase 4 anos. 

Gráfico 1 – Proporção de programas de pós-graduação com e sem ação afirmativa em 2018 (N=2.763) e 2021 (N=2.817)

Vale destacar que dos 2.817 programas, não foram localizados editais de 22 programas, o que corresponde a 0,8% de toda a amostra. Por conta disso, esses editais foram contabilizados como não tendo ação afirmativa.

Assim como no levantamento anterior, algumas políticas decorreram de decisões dos próprios programas, enquanto outras foram criadas por determinação de leis estaduais ou de resoluções do Conselho Universitário válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade (Venturini & Feres Júnior, 2021).

A difusão crescente desse tipo de política decorre, principalmente, do fato de que, entre 2002 e 2021, 45 universidades federais e estaduais aprovaram resoluções em seus conselhos universitários, determinando que todos os programas de pós-graduação podem ou devem criar ações afirmativas em seus processos de seleção.

O levantamento identificou duas leis estaduais sobre a temática: no Rio de Janeiro e no Piauí. As leis estaduais 6.914/2014 e 6.959/2015, aplicáveis às universidades mantidas pelo estado do Rio de Janeiro, determinam que todas as instituições públicas estaduais de ensino superior devem instituir o sistema de cotas de admissão em cursos de pós-graduação, incluindo mestrados, doutorados, cursos de especialização, aperfeiçoamento, entre outros. No Piauí, a Lei Estadual nº 5. 791/2008 foi alterada  pela Lei Estadual 7.455/2021 para criar ações afirmativas para ingresso de estudantes oriundos de escolas públicas, negros, quilombolas, indígenas e com deficiência nos programas de pós-graduação da UESPI (Universidade Estadual do Piauí).

Gráfico 2 – ​​Número de universidades que aprovaram resoluções ou seguem leis estudais segundo ano de aprovação (N=49)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

MODALIDADES

Entre os 1.531 programas de pós-graduação com políticas afirmativas analisados, foi possível identificar quatro modalidades de ação afirmativa:

Os dados de 2021 apontam que 73% aplicam exclusivamente o sistema de cotas, no qual um percentual das vagas disponíveis é reservado para determinados grupos sociais e/ou étnico-raciais.

Gráfico 3 – Proporção das modalidades adotadas em 2021 (N=1.531)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

Além dessa modalidade de cota, outros programas optaram por criar vagas suplementares (3,5%), as quais são reservadas para candidatos pertencentes a determinados grupos. Foram contabilizadas como vagas suplementares, as que não revertem à ampla concorrência e são extintas em caso de não preenchimento das vagas. Apesar de não receber a denominação de “cota”, trata-se também de uma modalidade de reserva de vagas; a diferença é que, caso aplicada isoladamente (e não em conjunto com cotas), o número de vagas de ampla concorrência permanece inalterado, sendo, portanto, uma variante mais branda dessa modalidade de política. Há, ainda, a adoção de formatos mistos, nos quais há cotas para determinados grupos e vagas suplementares destinadas a outros grupos de beneficiários (23,1%). Por fim, foram identificados programas que criaram cotas para determinados grupos e também preveem bônus para alguns grupos em certas etapas do processo seletivo (4,6%). É o caso, por exemplo, de alguns programas da Universidade Federal Fluminense (UFF), nos quais há cotas sociais e/ou étnico-raciais e a concessão de pontos adicionais ou um peso maior em determinadas etapas do processo para candidatas que se tornaram mães nos últimos 5 anos. Trata-se de uma medida que visa compensar o tempo da licença maternidade e seu impacto na produção científica de mulheres.

BENEFICIÁRIOS

Assim como em 2018, os principais beneficiários são os estudantes pretos, os quais eram alvo 96,7% das políticas analisadas, seguidos dos pardos (96,1%). A diferença na proporção de programas que beneficiam pretos e pardos se deve ao fato de que alguns editais estabelecem que apenas candidatos autodeclarados pretos podem solicitar a participação via ação afirmativa, não havendo benefício para pardos. Trata-se de casos excepcionais, uma vez que na maioria dos programas que têm benefício étnico-racial há referência expressa a pretos e pardos. Outros grupos bastante beneficiados pelas ações afirmativas são os indígenas (93,5%) e as pessoas com deficiência (83,5%). Em menor proporção, há também políticas em favor de quilombolas, pessoas trans e pessoas portadoras de visto humanitário (refugiadas), conforme mostra o Gráfico 4. 

Gráfico 4 – Proporção de iniciativas de acordo com o tipo de beneficiário (N=1.531)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

Nota-se, portanto, um crescimento dos grupos que são beneficiados pelas ações afirmativas na pós-graduação, havendo a presença de novos grupos, muitas vezes em razão de aspectos regionais ou locais e a presença de outras populações vulneráveis onde o programa está localizado.   

Também continua chamando atenção é o fato de que as medidas voltadas para a pós-graduação têm incluído, entre os beneficiários, grupos que não haviam sido alvo de políticas para o ingresso em cursos de graduação, tal como povos do campo, população em situação de rua, mães, entre outros. 

FORMAS DE INSTITUIÇÃO E APROVAÇÃO DAS POLÍTICAS

Os dados coletados possibilitaram identificar quatro formas de instituição e aprovação das políticas:

  • programas que criaram as ações afirmativas por iniciativa própria e decisão de seus colegiados, incluindo aqueles que fizeram por incentivo de órgãos externos (tal como os editais da Fundação Ford e Fundação Carlos Chagas);
  • universidades e programas que criaram ações afirmativas em cumprimento a leis estaduais;
  • programas que criaram ações afirmativas em razão de resoluções do Conselho Universitário válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade.

Os dados coletados apontam que, até dezembro de 2021, 27,8% dos programas criaram medidas por iniciativa própria, enquanto a grande maioria o fez em decorrência de resoluções dos conselhos universitários (67,8%). Em menor proporção temos os programas que criaram em decorrência de leis estaduais (4,4,%), o que se aplica às universidades estaduais do Rio de Janeiro e do Piauí. 

Como destacamos em outros trabalhos, o crescimento do número de resoluções tem relação direta com a Portaria Normativa MEC n. 13 de 2016, a qual determinou que todas as instituições federais de ensino superior deveriam enviar propostas de ações afirmativas para  pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação (Venturini, 2021).

Gráfico 5 – Distribuição dos programas de pós-graduação com ação afirmativa conforme a forma de instituição (N=1531)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

NOTA CAPES

A preocupação com a excelência acadêmica é algo presente nos debates a respeito da criação de ações afirmativas na pós-graduação, havendo argumentos de que tais políticas poderiam reduzir a qualidade e, assim, enfrentar maior resistência em programas com notas altas na avaliação realizada pela Capes (Venturini, 2019). Em vista disso, cruzamos as políticas afirmativas com o conceito obtido pelos programas de pós-graduação na última avaliação quadrienal da Capes (Gráfico 6). Diferentemente do que tínhamos em 2018, verificamos que a maior proporção de programas que criaram ações afirmativas recebeu nota 4 (37,8%), seguido daqueles com notas 3 (32,5%). Nota-se, ainda, um crescimento da proporção de programas que adotaram ações afirmativas e apresentam o maior padrão de excelência segundo a Capes. Enquanto em 2018  tínhamos 11,5% de programas com notas 6 e 7, os dados atuais mostram que eles representam  12,8% dos programas com ação afirmativa. 

Gráfico 6 – Distribuição dos programas com ação afirmativa conforme nota de avaliação da Capes (N=1.531)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

A distribuição dos programas em cada nota da Capes, segundo a existência ou não de ação afirmativa, apresenta resultados importantes. Ou seja, totalizando as proporções por categoria (100%) controlamos para o número de programas em cada uma delas (Gráfico 7). Nota-se que a maioria dos programas com nota 3 (60,1%), nota 4 (57,9%) e nota 6 (51%) adotaram ação afirmativa, seja por iniciativa própria ou em razão de lei estadual ou resolução. Vale destacar, ainda, que 39,3% dos programas com nota 7 possuem esse tipo de política. 

Gráfico 7 – Distribuição dos programas conforme criação de ação afirmativa e nota de avaliação da Capes (N=2.817)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

PERFIL DAS UNIVERSIDADES

Com relação ao perfil das universidades adotantes de ação afirmativa, os dados apontam para a manutenção da predominância das federais, com 86% dos 1.531 programas identificados, seguidas pelas universidades estaduais, com 14%. Não foram encontrados programas de universidades municipais com ação afirmativa. A predominância das universidades federais em relação às estaduais fica evidente, já que aquelas possuem mais do que o dobro de programas com essas medidas. Ademais, dentre todos os programas acadêmicos de universidades federais, 66,8% já adotam ações afirmativas em suas seleções de estudantes. 

Gráfico 8 – Distribuição dos programas conforme tipo de universidade pública e criação de ação afirmativa (N=2.817)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

ÁREAS DO CONHECIMENTO

Também examinamos a distribuição dos programas de pós-graduação que criaram ações afirmativas nas diversas áreas do conhecimento, segundo a definição da Capes: Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes e a área Multidisciplinar.

Dentre os 1.531 programas que criaram ações afirmativas até o final de 2021, verificamos que pouco mais de 1/5 pertence à área de Ciências Humanas (Gráfico 9). Em seguida, aparecem as áreas Multidisciplinar, Ciências da Saúde e Ciências Sociais Aplicadas.

Gráfico 9 – Distribuição dos programas com ação afirmativa segundo área do conhecimento (N=1.531)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

Ao analisarmos a proporção de programas de pós-graduação de cada área do conhecimento, segundo a existência ou não de ações afirmativas (Gráfico 11), nota-se que a área de Ciências Humanas continua sendo a que possui o maior número de programas com tais políticas (75,8%). Na sequência aparecem as áreas de Ciências Sociais Aplicadas (67,4%), Linguística, Letras e Artes (61,4%) e Multidisciplinar (54,7%). Nesse novo estudo, a área de Ciências Agrárias apresenta a menor proporção de programas com medidas afirmativas (43%), seguida da área de Ciências da Saúde (43,8%).

Gráfico 10 – Distribuição dos programas segundo área do conhecimento e criação de ação afirmativa (N=2.763)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

A distribuição das formas de instituição das ações afirmativas dentro de cada área do conhecimento é destacada no Gráfico 10. Na área de Engenharias, que antes os programas só haviam criado essas medidas em decorrência de resoluções dos conselhos universitários e de leis estaduais (Venturini & Feres Júnior, 2020), agora também possui programas que criaram políticas afirmativas por iniciativa própria (9,5%). No levantamento atual, a área com a menor proporção de programas que criaram ações afirmativas por iniciativa própria é a de Ciências Agrárias (5,6%), na qual 92,4% dos programas com essas políticas o fizeram em cumprimento a resoluções das universidades. As áreas que apresentam as maiores proporções de medidas criadas autonomamente são as Ciências Humanas, a área de Letras, Linguística e Artes (41,9%) e Ciências Sociais Aplicadas (35,6%).

Gráfico 11 – Distribuição dos programas com ação afirmativa segundo área do conhecimento e forma de instituição (N=747)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

DISTRIBUIÇÃO REGIONAL

No tocante à distribuição das políticas pelo território nacional, quando controlamos para o total de programas, a região Centro-Oeste aparece como aquela com a maior proporção de programas com ações afirmativas (80,1% de 256 programas), seguida pelo Norte (72,1% de 165 programas) e o Nordeste (67,5% de 656 programas). O Sul permanece apresentando a menor proporção de programas com esse tipo de política, havendo 40,4% dos 570 programas localizados na região. 

Gráfico 12 – Distribuição dos programas para o ingresso na pós-graduação conforme criação de ação afirmativa e região do país (N=2.817)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

Vale destacar que no Sudeste, 45,6% dos programas já adotam alguma modalidade de ação afirmativa, o que corresponde a aproximadamente 534 programas e a 1/3 da amostra de programas com ação afirmativa (1.531). 

Gráfico 13 – Distribuição dos programas com ação afirmativa e região do país (N=1.531)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

Na distribuição das iniciativas pelos estados da Federação, há aqueles em que todos os programas de pós-graduação adotaram ações afirmativas, como é o caso do Acre, Amapá, Piauí e Sergipe. Todavia, Acre e Amapá são estados com um baixíssimo número de programas. Diferentemente de 2018, não temos mais estados sem esse tipo de política. 

Os estados com a maior proporção de programas com ações afirmativas são Alagoas (96,8%), Pernambuco (94,1%), Tocantins (92,9%) e Mato Grosso do Sul (91,1%). Já os estados com menor proporção são Espírito Santo (8,3%) e Ceará (17,9%.

Já em termos numéricos, os estados com maior número de políticas são Minas Gerais (151 programas), Bahia (77) e Rio de Janeiro (100). Já os com menor número são Pernambuco (dois programas) e Santa Catarina (três).

O estado de São Paulo concentra um dos maiores números de políticas afirmativas criadas pelos próprios programas de pós-graduação na região Sudeste, com 20 iniciativas no total, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro, com 22 iniciativas.

Gráfico 14 – Número de programas que criaram ação afirmativa por iniciativa própria conforme o estado (N=134)

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.